segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Férias no Corró do Inferno

DIA 1: Briga boba resulta em prisão em flagrante. Fui enquadrado pela lei Maria da Penha na DEAM. Atuado em flagrante deveria pagar uma fiança de R$ 1.090,00, pedi ao meu irmão que prometeu conseguir o dinheiro, avisei a um amigo também que devido a estar em viagem não pode me ajudar. Tentei sem sucesso falar com o meu advogado e só dava caixa postal. Aqui cometi um erro fatal: assinei a nota de culpa sem esperar o advogado. Os agentes da DEAM que me levaram ao DPE (Departamento de Polícia Especializada) me aplicaram uma pegadinha cruel dizendo que lá poderia fazer uma ligação, mal sabia eu que já estava preso e que não tinha mais direito a nada. Algemado cheguei ao DPE onde tive que ficar nu e meus pertences apreendidos: celular, identidade e tudo o que era escuro(sapato, camisa, meia). Fiquei apenas com a calça jeans. Lá cometi a besteira de pedir a tal ligação. Fui humilhado pelo agente que começou a rir na minha cara. Me serviram uma quentinha que lá é conhecida como "cromada". Não estava nada ruim, mas devido a situação não comi quase nada. Agora me encontrava preso em uma sala junto com 2 outros rapazes presos pelo código 155(furto). Me identificaram com fotos e tiraram minhas digitais em uma máquina e todo esse tempo era humilhado pelo tal agente. Nos conduziram então à cela de número 1. Lá estavam mais 4 presos por 155, um outro por Maria da Penha e o último preso por desobediência. Os 155 se chamavam TH e DO e outro raramente falava o nome e conhecíamos como "correria". Correria lá significa o preso que fica no corredor atendendo os pedidos dos outros presos na cantina: cigarros, comida, etc. Correira também faz pequenos negócios entre os detentos: roupas, cobertas, colchonete, etc. Havia sido preso com 80 reais e decidi guardar esse dinheiro para quando fosse realmente necessário visto que não sabia o tempo que ficaria preso. Então estava apenas de calça jeans, sem camisa e descalço. Ainda contava que meu irmão arrumaria o dinheiro e sairia de lá no mesmo dia. Que nada, a noite chegou e com ela um frio mortal. Não havia mais como comprar ou trocar nada. Felizmente TH cedeu um colchonete muito fino e DO cedeu um papelão para que nós 3 pudéssemos nos acomodar. Mais tarde ainda chegaram mais 3 presos: 2 Maria da Penha e mas um 155. Então agora éramos 9 em uma cela 4x4m com um pequeno banheiro 1,5x1,5m no canto. O banheiro tinha daqueles sanitários que se fazem as necessidades de cócoras e um chuveiro frio. Para tomar água você colhia a água do chuveiro e bebia. Os próprios presos improvisaram uma cortina feita de forro de colchão velho, que lá chamam de "puruca". lá quando a agente faz necessidades os presos queimam papel higiênico trançado o que eles chamam de "Teresa" para não dar muito cheiro. O outro preso por Maria da Penha estava muito bêbado e sujo então nos reunimos e o aconselhamos a tomar banho. Quando falamos isso ele começou a tremer como se estivesse tendo uma convulsão. Chamamos os agentes e o levaram ao médico. Mais tarde ele voltou e para nossa sorte saiu o alvará de soltura dele. Na hora de dormir TH liberou uma coberta que dava para forrar 3 pessoas. Nessa hora aproveitei para pegar o cantinho que sobrou da coberta para me cobrir. Ao meu lado o 155 gemia de frio. O final do primeiro dia chegou sem liberdade e sem comunicação do meu advogado. Eu havia passado o telefone dele para o agente que me prendeu. Agora não sei se ele tentou entrar em contato com ele ou não. Mais provável que não. Para piorar essa noite ainda chegou um papel da justiça convertendo a prisão em flagrante em prisão provisória. Havia acabado o meu benefício de sair sob fiança.

DIA 2: Não dormi quase nada, o 155 ao meu lado gemia de frio, de vez em quando ajoelhava no estilo muçulmano e rezava por uma coberta. O dia amanheceu e veio o "todão": café com leite acompanhado de pão com margarina. O 155 que gemeu a noite toda se ofereceu para fazer o papel de "correria". Durante o dia ele conseguiu 2 finos colchonetes o que aumentou o nosso conforto. À tarde, finalmente, recebi a visita do esperado advogado. Para a minha surpresa não era o "meu" advogado e sim o advogado que minha ex-esposa havia arrumado para mim, pensei na hora que engraçado era a vida: uma mulher me levou à prisão e outra queria me libertar. Do advogado fiquei sabendo que não tinha mais direito à fiança, coisa que já sabia. Ele disse que tentaria um relaxamento de prisão e se não desse certo um Habeas Corpus. Na euforia de ver um rosto conhecido me esqueci de dizer que tinha uma audiência para ir no dia 18 que era exatamente do primeiro processo de Maria da Penha e de, lógico, pedir o telefone dele caso precisasse. Encontrei o advogado em uma pequena sala que dava de frente para a minha cela. Entre elas tem um pátio. Lá esperando o tempo de me reconduzirem à minha cela pude ver um preso em um pequeno espaço 1x1m reservado aos internos problemáticos, era uma espécie de castigo. À noite ganhei uma camisa do correria. Mais tarde chegou um colchonete melhor para DO então ele vendeu o colchonete para o preso com Maria da Penha por 10 reais. Ele quase não aproveitou o colchonete pois passou a tarde com o advogado dele. Mais tarde chegou o alvará de soltura dele e herdei o colchonete. Saíram ainda aquela noite mais dois 155. Chegou também mais outro por Maria da Penha. Então naquela noite éramos 6 na cela. Dormi pouco esta noite, mas bem melhor que a noite anterior, pois tinha colchonete só para mim, a coberta era compartilhada e agora estava com camisa.

DIA 3: Dia da visita na DPE. Tinha esperança de que aparecesse alguém para me ver. Ao invés disso veio um papel para autorizar que minha família pegasse os meus objetos de quando eu entrei na DPE. Estranhei, mas assinei. Melhor com a família do que com os guardas pensei. Orientei o técnico penitenciário sobre onde havia deixado o meu carro. Senti resistência mas ele concordou. Foram poucos técnicos penitenciários que encontrei que eram legais. A visita do pessoal aconteceu à tarde e foi realizada no pátio de frente para as celas. Entreguei para TH um papel com os telefones do "meu" advogado. Fiquei sabendo quando saí da prisão que meu advogado simplesmente me ignorou porque a área penal não é a área em que atua. Pura crueldade ele poderia ter pelo menos dado as caras lá para me ver. Tudo bem a vida continua. À noite me perguntaram se tinha curso superior e respondi que sim. Então me ofereceram uma cela separada. Eu preferi ficar com o pessoal da cela 1, pois se ficasse na cela separada teria que conseguir colchonete, coberta e roupa. Tudo que a galera já havia me dado. "O quê?" pensei eu, passar todo o frio do primeiro dia nunca!

DIA 4: Dia de banho-de-sol. Fomos reunidos no pátio junto com os outros internos. Fazia tempo que não me sentia um pouco livre. O pátio fica no centro com 8 celas de um lado e mais 6 de outro. Lá os agentes gritavam os nomes dos internos que seriam transferidos para o CDP (Centro de Detenção Provisória na Papuda) e que tinham pertences a serem transferidos. Naquela noite TH e DO receberam seus alvarás, assim herdei uma coberta e um colchonete melhor, além de mais uma camisa. Assim agradeci e devolvi a camisa do correria. Esta noite tinha tudo para dormir bem, mas prenderam um bêbado que ficou gritando a noite toda e nos acordava.

Dia 5: Dia de transferência para a Papuda. Tomamos café e nos preparamos para a transferência. Os agentes sempre arrogantes nos organizaram em filas para poder contar e nos chamou um-a-um. Todos tentavam ficar longe do bêbado que estava todo cagado e sujo, mas os agentes não tiveram dó e nos forçaram a ficar perto dele. O agente nos liberou para ir ao banheiro de 2 em 2. Quando tentei ir o agente que havia implicado comigo no primeiro dia disse que não estava respeitando a fila e me fez sentar. Pensei na hora: "Se pego esse infeliz do lado de fora...". Lá sentado ganhei de um outro preso um livro: "Ninguém é de ninguém". Agradeci e achei muito apropriado para alguém preso por Maria da Penha. Fomos conduzidos aos veículos que nos levariam. Eram vans adaptadas como grandes camburões. Entramos e sentamos. Couberam uns 10 internos de cada lado. Nesse momento agradeci muito a Deus de não pegar o lado onde colocaram o bêbado cagado. A viagem no camburão totalmente fechado não nos deixava ver absolutamente nada do lado de fora. 2 pequenas ventoinhas forneciam uma ventilação insuficiente para nós. Era sufocante. O percurso me parecia interminável. A única coisa que dava para perceber é que a van subia e descia pistas. Ela não parava em sinal algum, pelas sirenes dava para perceber que estávamos sendo escoltados. Percebi que esta´vamos chegando devido aos pulos que a van dava: eram os quebra-molas de acesso ao CDP. Na chegada fomos recepcionados por vários agentes que nos conduziram a um pátio onde fizeram a gente ficar apenas de cuecas. Os agentes nos humilhavam nos chamando de "merdas"e dando tapas em um ou outro preso que não fazia algo direito. Quando viram o meu cabelão logo tiraram sarro: "Vai perder esse cabelo, é muita maconha". Mal sabem eles que não fumo nem cigarro. E riam sem parar de mim. Fora os detentos que apanharam sem nenhum motivo. Apenas por demorar ou não entender as ordens de primeira. Eles pensam que a gente é obrigado a entender todos os procedimentos logo de cara. Vi o detento que estava logo atrás de mim receber um sonoro tapão na orelha. Tremi de medo na hora achando que seria o próximo a apanhar. Começaram a dividir os presos. Pediram para levantar a mão quem tinha mais de 40 anos e então aproveitei e revelei também que tinha curso superior. Então as gozações comigo diminuíram. Fui colocado separado junto com outro preso de curso superior e o pessoal que havia pedido "seguro": estupradores, conhecidos lá como "jack", também presos com problemas de rixas com outros. Não pouparam meu cabelo cultivado durante 4 anos. Fui conduzido à uma fila aonde 3 internos feitos de barbeiros tosavam os cabelos sem dó. Quando estva chegando perto do início da fila fui acometido de um ataque de tosse provocada pelas partículas de cabelo sendo cortados pelas máquinas zero. Essa tosse demorou a passar. Lá se foi o meu enorme cabelo. Parecia mais um Poodle agora que estava inteiramente no chão. Nos deram um sabão e nos fizeram tomar banho. Eu e o outro preso fomos conduzidos a uma pequena cela lá conhecida como "corró". Esse corró fica entre a entrado do bloco e o pátio onde os presos tomam sol. A cela tem 3x3m rodeada por um banco feito de alvenaria ao lado um pequeno banheiro 2x1,5m e se comunicava com outra cela 3x3m separada por grades, formando uma grande cela. No corró encontramos um outro preso que estava já com alvará de soltura apenas aguardando a hora para ser solto. Por coincidência o outro preso com curso superior era o mesmo que havia chegado 1 dia antes no DPE e havia ficado na mesma cela que eu. Seu nome é KL. KL e eu rimos várias vezes recordando que os agentes nos chamavam de "merdas" e de "ladrões". Então para descontrair nos chamávamos assim a maioria das vezes. KL estava preso por 155. Mais tarde chegou a janta: um marmitex infinitamente pior do que a do DPE. Se a do DPE eu não conseguia comer direito agora sofri ainda mais. Estávamos nos ajeitando para dormir quando chegou mais um preso para se juntar à nós. Seu nome é LE. LE era bandido profissional preso por 157 (assalto a mão armada) e nos contou sua vida de crimes desde os 12 anos até os 20 anos. Este corró era dividido em 2 celas com uma pesada porta comunicando as 2. Pensei logo de cara que aquilo se tratava de uma sala de tortura. Tinha todo o jeito disso. O banheiro do corró era simplesmente nojento: um vaso sanitário sem descarga com uma torneira como chuveiro. Havia um balde inteiramente rachado e com lixo dentro. Perguntei ao outro preso como faríamos casa fizéssemos necessidades ele então falou que era só ligar a torneira e deixar as fezes se dissolverem. "Que nojo" pensei. O corró é um lugar muito ruim porque conseguimos ouvir os agentes conversando e rindo de um lado e os presos gritando e cantando do outro. Além das 2 portas com trava elétrica que pipocam a todo instante. Uma dava entrada para o prédio aonde estávamos, CDP, e a outra dava para o pátio. No corredor ainda tem uma sala para revistar os presos e a sala do oficial de justiça. À noite veio o que chamam lá de "kit fica": cobertor, roupas, colchonete, toalha, sabonete. O pessoal daqui de fora havia feito uma "vaquinha" e me mandado todas essas coisas. Essa noite dormi muito bem. Obrigado pessoal!

Dia 6: Sábado. Vi uma enorme barata. Então, KL me disse para olhar para o teto do banheiro. Fiquei horrorizado ao ver 4 enormes baratas no teto. Decidi então acabar com elas. Fiquei jogando uma bolinha feita com a marmitex. A primeira saiu e se enfiou no ralo. A segunda saiu voando para cima de mim e se alojou na sala ao lado. A terceira consegui matar. Depois do misto de horror, nojo e adrenalina decidi deixar a quarta barata em paz. Mais tarde ela "deu mole" e veio para baixo e consegui matá-la. Os 2 outros detentos que estavam presos comigo foram conduzidos as suas celas e pela primeira vez estava sozinho. Pensei: "Antes só do que mal-acompanhado". Nesses dias tentava me acalmar rezando muito e fazendo exercícios. Me exercitava para ficar cansado e dormir melhor. KL havia me ensinado um truque: colocar papel higiênico com a ponta molhada dentro do ouvido para servir como tampão.

Dia 7: Domingo. Acordei bem cedo como de costume. A "vaquinha" que traz o "todão" - leite com chocolate muito mas, muito fraco mesmo, me acordava por volta das 5 da manhã. Revoltado com a sujeira do banheiro resolvi fazer uma faxina. Peguei o balde rachado e coloquei o resto de comida em um saco. Lavei o balde e segurando-o para a água não vazar pelas rachaduras acabei com toda aquela nojeira. Agora tinha um meio de dar descarga. Lavei o banheiro inteiro e se a cela tivesse como escorrer a água teria a lavado inteira. Em um devaneio meu resolvi tirar toda a "bosta" encrostada no vaso e com um pequena pedaço da grade de tela de moeda comecei a raspar aquela nojeira. Não aguentei. Me deu náuseas. Meu único erro foi retirar um pedaço de cobertor da cadeia que estava no ralo, mais tarde veremos o porquê. Retirei também um resto de chinela havaiana de dentro do ralo. Achei melhor guardar este pedaço de chinelo, pois poderia servir para alguma coisa. A hora do café chegou e um agente gente boa chamado AB perguntou porque eu estava ali. Ele me pareceu amável e gentil. Muito diferente de outros que passavam e batiam na grade apenas para perturbar sem contar outros que me viam junto às grades e falavam em tom autoritário para ir para o fundo da cela. Realmente AB não era como os outros: sempre que solicitava algo ele me atendia. Outros agentes simplesmente me ignoravam. Almocei cedo e o dia transcorreu do mesmo jeito: exercícios e oração. No final da tarde percebi pelos sons que vinham do lado dos agentes que o Brasil estava jogando e que ganhara a partida.

Dia 8: Segunda. Estava apreensivo. Era o dia da audiência que havia sido marcada quando ainda estava fora. Estava andando pela cela como fazia habitualmente quando o agente AB me pediu para ir para o fundo da cela. Logo depois entraram uns 80 agentes da DPOE. Eles entraram furtivamente e começaram uma operação. Eu ficava me esgueirando para tentar ver alguma coisa. Só ouvia gritos dos policiais ditando ordens para os presos. Logo vi vários presos no pátio agachados como no dia que fui para o CDP. Acho que eles estava revistando as celas de todas as alas. Pude ouvir que acharam celulares, drogas e outras coisas. Vacilei uma hora e um agente bateu na grade e ordenou para que eu fosse para o fundo da cela gritando que se não fosse sobraria para mim. A invasão no bloco aconteceu bem na hora que a oficial de justiça estava na sua sala no corredor. Ela deve ter tomada um baita suto pois quando eles começaram a operação soltaram uma bomba. Eu queria falar com a oficial do meu caso, mas nesta confusão ela esperou que os agentes da DPOE passassem e saiu fora. Encolhido no fundo do meu corró deixei a oportunidade passar. Mais tarde pedi ao agente AB que tentasse entrar em contato com meu advogado. O problema é que eu não sabia o número dele. Passei para AB tudo o que me lembrava: nome da ex-esposa, filhos, endereço, e-mail do meu filho. Chegou meio-dia e os presos que seriam escoltados ao Fórum para audiências começaram a ser chamados. Me preocupei em não ter sido chamado. O turno do agente AB havia acabado e agora pedia a qualquer outro agente para que me servisse a "xepa", como era conhecida lá o marmitex. De repente me chamaram. Que alívio. Era a escolta para a minha audiência. Saí faminto, mas feliz. Os agentes me algemaram e me colocaram no camburão junto com um traficante. Não conversou muito comigo. Então decidi ficar quieto na viagem. As algemas incomodavam muito pois algemam a gente com os braços para trás. Isso tornou a viagem um tormento. Como sentar direito com aqueles coisas? O camburão deu várias voltas e chegamos a algum fórum que não dava para identificar. Me fizeram descer o camburão de costas. Eu quase caí. Os agentes, sempre autoritários, mandaram a gente entrar de cabeça baixa e que fóssemos para o fundo da cela. Junto comigo haviam outros 4 presos. Senti vontade de tomar água e tive que fazer uma verdadeira ginástica para conseguir isso. Outros presos conseguiam passar as algemas para frente para ficarem mais confortáveis. Eu tentei em vão fazer isso, não tenho flexibilidade. E os que conseguiram inverter as algemas para frente imediatamente as colocavam para trás com medo de levarem bronca dos policiais. Passaram-se uns minutos e fui conduzido ao camburão para ser levado ao meu fórum. Chegando lá fui colocado em uma cela com um outro preso por Maria da Penha, só que o caso dele era mais complicado porque envolvia porte de arma. Passado uns instantes chegou a defensora pública que primeiro questionou o outro preso. Logo depois foi a minha vez. Nessa primeira Maria da Penha não havia constituído advogado. Conversei com ela sobre o meu caso. Ela falou que iria demorar porque parecia que a alegada vítima não havia chegado ainda. Finalmente fui conduzido à sala de audiências. Fiquei feliz em ver o meu advogado lá. Conforme eu temi a "vítima" não compareceu à audiência, então a juíza agendou uma nova para dali a uma semana. Pedi à defensora que solicitasse a juíza para que pudesse dizer umas palavras. Disse à juíza que era injusta a minha prisão, ela me retrucou dizendo que minha prisão cumpria todos os requisitos legais. Ela me perguntou então se eu lembrava dela. Respondi que sim. Incrivelmente era a mesma juíza com que já tinha tido uma audiência preliminar do caso e que me havia repreendido por continuar com a relação. Era a mesma também que havia convertido minha prisão em flagrante em prisão provisória e também a mesma que havia negado o pedido de liberdade provisória feita por meu advogado. Ela ainda acrescentou que o advogado estava entrando com Habeas Corpus mas que a jurisprudência vinha sendo de negar tais pedidos. Tentei argumentar com a juíza que ficaria 14 dias preso de forma injusta. Ela retrucou dizendo que minha prisão tinha caráter preventivo e não punitivo. Não teve jeito. Só deu tempo de dizer algumas palavras com o meu advogado. Pedi à ele encarecidamente o meu diploma e que desse uma olhada para ver se minha pequena kitinete estava devidamente trancada e em ordem. Fui reconduzido ao CDP e colocado no meu pequeno corró. Cheguei muito triste pois tinha esperança de que o meu caso fosse julgado e que pudesse ser libertado. Estava faminto e o agente me ofereceu o meu almoço. Logo depois trouxe também o jantar. Comi e guardei a janta para depois. Dormi um pouco e depois jantei mas estava sem apetite e não comi quase nada. Quado estava comendo ouvi um barulho estranho vindo do banheiro. De lá saiu um enorme rato e se escondeu nas grades da sala anexa ao corró. Na hora me lembrei do resto de cobertor jogado no ralo. "humm", pensei. Por isso o ralo estava como entupido. Era para evitar estes bichos escrotos. Imediatamente larguei a minha "xepa" e chamei os agentes. Solicitei que me dessem um pedaço de pau ou que me algemassem e dessem cabo do bicho. Eles achavam que eu estava brincando. Trouxeram a lanterna. Eu entrei no anexo e vi o infeliz. Eles iluminaram o lugar aonde ele estava. Saí correndo e bati as grades para o outro lado. O bicho se assustou e foi se esconder na sala do oficial de justiça. Três agentes com pedaços de pau ficaram tentando matar o rato. Mas, me pareceu que estavam com mais medo do que vontade de matá-lo. Um quarto agente de cima de um balcão gritava para os outros matassem o rato. Os outros riram muito da situação. Veio então um quinto agente. Ele entrou na sala e deu um "bico" no rato. Os outros riam muito e eu também. O bicho agonizante foi chutado para longe do corredor. Peguei aquele resto de chinelo velho e entupi novamente o ralo. Para me precaver coloquei o balde em cima do ralo e o saco de lixo por cima. Dali não sairia mais nada.

Dia 9: Terça. Acordei muito triste, pois sabia que teria que ficar ali mais uma semana, no mínimo. À tarde me chamaram. Como os mandatos de soltura só chegam às 9 da noite eu sabia que não era para me soltarem. O agente de forma arrogante disse para arrumar minhas coisas. Finalmente iria para a ala dos que tem curso superior. Fiquei feliz em deixar aquele buraco. Fui conduzido ao CIR (Centro de Internamento e Recuperação), ala especial, cela número 15. Logo na entrada pude perceber a diferença: os presos andavam livres pelo corredor. Recebi um interessante conselho na entrada: "Não são os outros que tem que se adaptar a você, é você que tem que se adaptar aos outros". Fui recebido pelos meus colegas de cela: MA e GL. MA me conduziu ao "batismo": deveria tomar banho frio no pátio. Para mim foi fácil. Já estava acostumado à isso. Na pequena cela 2x4m haviam 2 camas, tv a cores, filtro, ventilador, chuveiro quente, relógio. Tudo comprado com o dinheiro dos próprios presos. O pessoal me recebeu muito bem. Me ofereceram roupas, colchão, coberta. Agora estava em um lugar decente. A pequena cela mais parecia minha kitinete. Logo veio a "xepa". MA, sempre muito falante, me contou várias histórias. GL chegou mais tarde pois estavam em curso. GL é sistemático e reservado, mas também é gente boa. Essa Ala Especial é ocupada por pessoas com nível superior e ex-policiais (civis, militares, bombeiro). Os presos voltaram às celas e elas foram trancadas. Dormi bem melhor essa noite.

Dia 10: Acordei cedo. Acho que me acostumei com o barulho da vaquinha passando pelo corredor do meu ex-corró. Abriram as celas por volta das 8 horas. Pude finalmente ver o sol. Aproveitei para correr. Isto me fez sentir um pouco mais livre. Fui interrompido por GL. Quarta é dia de visita. MA estava dando uma "geral" na cela. No dia de visita os visitantes podem ficar à vontade com os presos: ficar no pátio, no corredor e até dentro das celas. Não tive visita, pois vacilei e não dei os nomes dos visitantes no dia anterior. Dava para ver a alegria estampada nos rostos dos internos. O visitante de GL, que é pastor, me disse algumas palavras. Ele mais ouviu do que falou. Acho que eu precisava desabafar e ele percebeu isso. Ainda pensava muito no meu caso e não conseguia esquecer. Por volta das 3 horas os visitantes se foram. MA me disse que os internos contam o tempo de semana em semana. Ou seja, de dias de visita em dias de visita.

Dia 11: Comecei o dia com minha corrida matinal. A estratégia continuava sendo a mesma: cansar para descansar melhor, além de ocupar a mente com outras coisas. Quase sempre me pegava rezando em silêncio e pensando no que poderia acontecer na audiência da próxima semana. Passava e repassava cada detalhe do que acontecera em busca de algo que pudesse me ajudar. No final concluía que a verdade estava do meu lado e que deveria ser solto na segunda-feira. Ao mesmo tempo ficava inseguro pois não sabia o que a juíza poderia decidir. Ela lida com evidências e como ela havia me dito tinha elementos para me condenar. Por mais que dissesse que era vítima de armação mesmo assim poderia me dar mal. Penso que a lei Maria da Penha é muito bem-vinda e que foi criada para coibir companheiros violentos. Mas que não deve ser usada para vinganças pessoais. A lei é injusta no sentido que privilegia a opinião da mulher em detrimento à do homem. Eu levei Maria da Penha e Lesão Corporal. Ela apenas Lesão. Da minha parte pensei: "sou primário e não espanquei ninguém." O que pode ser provado pelo laudo do IML. O problema é que o que vale é aparecer qualquer pequena coisa no laudo. Um tapa basta para deixar marca. E para a justiça basta isso. Pior, basta um xingamento para a lei valer. Isso é muito perigoso, pois as mulheres podem usar isso para oprimir seus companheiros. O meu caso é exatamente esse. Mesmo me defendendo acabei por deixar uma marca na minha namorada. Ela mentindo para a polícia disse que a espanquei. Para a juíza é isto o que deu embasamento para a minha prisão: 2 laudos do IML comprovando a "agressão".

Dia 13: Segunda-feira, dia 25 de setembro. Como sempre não dormi direito e hoje especialmente porque era dia de audiência. Corri um pouco depois do "todão" e fiz umas barras. Fui à capela que existe lá no fundo do corredor da Ala Especial. E senti nitidamente que Deus havia falado comigo. Ele pedia que deixasse as coisas que me fizeram tão mal. Passava e repassava o que iria dizer à Juíza. Ensaiei várias vezes em minha mente. Tomei banho e almocei cedo, por volta das 11:30. Fui assistir os jornais de meio-dia, mas estava agoniado. Quando deu 12:30 me dirigi à entrada do corredor e fiquei esperando lá, impacientemente. Me chamaram às 13:00, fizeram a revista para sair e mais uma vez me encontrava algemado e dentro do camburão. Comigo seguia um outro interno, preso por assalto relâmpago, por um coincidência incrível ele conhecia GL da minha cela. De novo voltas intermináveis até chegar ao fórum. Lá ficava andando de um lado para outro na pequena cela. A defensora pública veio falar comigo para confirmar a minha versão da história. Disse que confirmaria tudo o que já havia dito em meu depoimento. Falaria a verdade custasse o que custasse. Fui finalmente chamado. Chegando lá vi minha namorada, a pretensa vítima. Ela narrou os fatos da maneira dela, mentiu sobre a motivação da "agressão". Além de falar que a agredia constantemente ainda acrescentou que a havia ameaçado "quebrar os dentes dela". Eu apenas me limitava a balançar a cabeça numa tentativa inútil de negar os fatos narrados por ela. Estranhamente ela me acusava e ao mesmo tempo apresentava justificativas como: "ele estava sob forte pressão no trabalho" ou "eu não acredito que ele realmente quebrasse os meus dentes". Ela me lançou um olhar distante e saiu da sala. Eu tremia de frio. Agora era minha vez. Narrei os fatos como aconteceram e puderam acompanhar no meu primeiro post feito aqui. Disse que não a havia ameaçado, pelo contrário, quem havia me ameaçado era ela, me dizendo: "Você vai pagar muito caro por isso". Realmente, 14 dias preso, várias humilhações, muito frio, alguns momentos de sede e fome e muito desconforto. A juíza se limitou a dizer que esperava o pronunciamento do ministério público sobre o caso, não me dando nenhuma esperança de sair da cadeia. Havia ensaiado o que falaria a juíza nesse momento, mas nada saiu. Não apelei da minha prisão. Para piorar, meu advogado não compareceu à esta audiência, pois estava sendo representado pela defensora. Na saída da sala de audiência logo de frente estava a pretensa vítima. Ela me olhou nos olhos e me disse algo que não compreendi. Para mim pareceu algo como um "E aí o que houve?". Pude ver ainda mais adiante meu irmão e minha mãe. Apenas me limitei a acenar com a cabeça. Fui conduzido à pequena cela do Fórum. No caminho de volta o mesmo odioso camburão com forte cheiro de "xixi" dentro. Acredito que eles não limpam o camburão só para torturar os presos. A essa altura já estava com saudade da minha cela na Papuda. Cheguei, tomei um banho, jantei e estava exausto. Logo dormi.

Dia 14: Hoje o pessoal tirou o dia para faxinar pois no outro dia seria o dia de visita. Lavaram o pátio que mede 8x20m e passaram cera no corredor. Um preso saiu para o regime semi-aberto e deixou a cela com apenas 1 interno. Assim, fui remanejado para a cela número 20. A cela era muito ruim em comparação com a anterior: pintura descascada e muita infiltração. Fiquei sabendo pelo meu novo colega de cela que exatamente acima da cela é onde se encontra a caixa d'água que abastece o CIR. Para piorar bem no meio da cela tem uma coluna, deixando-a ainda menor. AD, meu novo colega, disse que essa cela antigamente era usada como "castigo". AD é um cara bem legal e já havia conversado com ele nas caminhadas pelo pátio. Não-fumante, exatamente como eu. Trocamos informações básicas da prisão: como se portar no dia de visita, regras de higiene e convívio.

Dia 15: Dia de visita. Estava ansioso e não dormi à noite, acordei por volta de meia-noite e fiquei rolando de um lado para outro. Quando amanheceu e a cela foi aberta fui para o pátio. Fazia um frio tremendo e o céu estava completamente nublado. Então comentei com um colega isso e ele me disse: "Reclama para Deus". Meio que brincando gritei com Deus e pedi de forma mal-educada que o tempo abrisse. Voltei à cela e resolvi dar uma "geral". Varri e passei pano. Quanto ao banheiro merecia uma faxina verdadeira. Estava nojento. Limo por todos os azulejos. O colega de cela falou que havia limpado. Limpo? Só podia ser brincadeira. Passei meia hora tirando o limo com escova de roupa e sabão. "Ha... agora sim". O banheiro estava limpo e digno de ser usado por uma visita. Vesti a calça. Este é um item obrigatório nos dias de visita. me cansei de escutar relatos de internos que "cobiçaram a mulher alheia" e por isso levaram uma surra. Me relatavam ainda que quando isso acontece não adianta chamar os agentes. As brigas internas são resolvidas pelos próprios internos.

Depois desse dia decidi não escrever mais o dia-a-dia, pois estava muito difícil sair com as folhas escritas. Eles limitam tudo o que podem. Para não ficar constrangendo meu advogado decidi parar.

Veio a segunda audiência por volta do 40 dia. E novamente a esperança de sair. Era uma segunda-feira. Vi mais uma vez minha namorada mentir na frente da juíza. Contei minha versão. Os policiais que nos atenderam no dia deram sua versão. Tudo esclarecido. Mas minha soltura não saiu naquele dia, ainda. Só fui sair de lá na quinta-feira. Foram 45 dias de muito frio, privação de sono, insônia e muita agonia.

Voltei para casa e para minha namorada. Dias depois mais brigas. Fui obrigado a mudar da minha própria casa e agora estou aguardando mais 2 processos de Maria da Penha que ela colocou em cima de mim. Então essa história não acaba aqui. Fui condenado a 3 meses na primeira Maria da Penha. Recorri da primeira e levei mais 3 meses agora da segunda Maria da Penha. Para quem não sabe os crimes de Maria da Penha são punidos com detenção (regime aberto ou medidas alternativas) e não reclusão (regime fechado). Como fiquei preso 45 dias isso equivale a estar recluso por 270 dias (45 x 6). A próxima audiência é no dia 24 de outubro.

Sempre me perguntam que lição tirei de lá e vou lhes responder: paciência. Aprendi a esperar tudo com paciência. Aprendi a esperar pelo odioso "todão", a "quentinha" horrível, o amanhecer, o fechar e abrir das grades, os dias de visita. Aprendi a esperar cada momento na minha vida com mais paciência ainda.

As outras coisas de lá eu faço questão de esquecer. Olho para isso tudo que vivi e para mim parece que foi um pesadelo. Um sonho ruim que um dia eu tive.

*** ATUALIZAÇÃO: A audiência do dia 24 chegou. Fui lá só que minha namorada não foi. Estamos brigados desde o último dia 22. O pior para mim aconteceu: a juíza juntou todos os processos contra mim até agora e deu prosseguimento a ação sem o comparecimento da pretensa vítima, ainda me alertou que minha situação é bastante delicada. A nova audiência deve ser daqui a 3 meses no mínimo.